OK, estamos de acordo: precisamos mudar nosso sistema educacional. Mas... para quê?
Mais do que querer mudar, é preciso ter boas razões para mudar.
Penso que deve haver tantos defensores do nosso atual sistema educacional quantos são os defensores da corrupção…
É lugar comum: ninguém defende a corrupção (pelo menos não publicamente), e ninguém defende que as coisas permaneçam como estão na Educação brasileira.
Todos concordam: a coisa não vai bem na Educação no Brasil. Os resultados dos exames nacionais mostram que só um pequeno percentual dos que concluem a educação básica realmente aprendeu o que precisava nesta etapa de formação. Pesquisas como a do Instituto Paulo Montenegro em torno do Indicador de Alfabetismo Funcional mostram que não mais do que 12% dos brasileiros podem ser considerados proficientes no seu próprio idioma.
Por isso não temos ninguém defendendo que não se mexa no sistema educacional do país.
Ele está enfermo, ninguém discorda.
Mas esta concordância geral começa a se desfazer quando se trata de diagnóstico e tratamento.
A maioria da população, aí incluídos pais, professores e gestores educacionais, acredita que no passado tivemos uma boa Educação no Brasil, mas com o tempo ela foi se degradando até chegarmos ao quadro atual; o sistema educacional brasileiro precisaria então mudar para recuperar uma excelência perdida e para isto deveria se voltar para este passado tido como modelo e reinserir antigas práticas abandonadas ou desprezadas, como uma disciplina mais rígida, provas mais exigentes, e reprovação mais frequente, que leve ao temor de “repetir de ano”.
O problema com esse diagnóstico é que as estatísticas educacionais dos últimos 70 anos mostram o oposto da crença inicial de que no passado a Educação era melhor.
Somente a partir dos anos 90 tivemos a implantação de exames nacionais para aferir a qualidade da Educação brasileira. Mas, antes disso, 2 indicadores ajudavam a identificar em que ponto estávamos em Educação nas décadas anteriores e o que foi acontecendo nas décadas seguintes: o percentual de analfabetos na população brasileira e o percentual de crianças em idade escolar fora da escola.
Pois os dados mostram que quanto mais distante no passado, piores eram estes indicadores. E quanto mais próximos do presente, melhores são estes números.
Nos anos 50 do século passado o analfabetismo completo atingia metade da população brasileira e metade da população em idade escolar estava fora da escola. No último levantamento disponível o analfabetismo total era encontrado em menos de um décimo da população, enquanto que apenas 0,3% da população em idade escolar estava fora da escola em 2019, ano anterior à pandemia.
O sistema educacional brasileiro no passado apresentava portanto resultados ainda mais assustadores que os atuais. E, mesmo se considerarmos apenas os últimos 25 a 30 anos, período em que passamos a aplicar algum tipo de avaliação de qualidade no sistema, os dados mostram uma evolução positiva: os estudantes atuais estão aprendendo mais que os estudantes dos anos 90. O pressuposto adotado pela maioria da sociedade brasileira é, portanto, equivocado.
Mas, um número mais reduzido de pais, professores e gestores educacionais faz outro diagnóstico e propõe outro tratamento. Apontam para as grandes transformações acontecidas entre a segunda metade do século passado e o início deste século para afirmar que o mundo mudou muito e por isto a Educação precisa mudar. O sistema educacional que foi estruturado para atender às necessidades de uma sociedade industrial 1.0 ou 2.0 não mais atende às necessidades de uma sociedade da informação, do conhecimento ou da indústria 3.0 ou 4.0. É, portanto, para se adequar a uma nova realidade que já está aí que o sistema educacional precisa ser transformado de forma a preparar melhor as crianças, adolescentes e jovens para o mundo atual e futuro.
Segundo estes, seria preciso, portanto, investir em novas formas de ensinar e aprender, metodologias novas, de preferência com uso de novas tecnologias para além do livro impresso, do caderno e do quadro.
A proposta realmente tem fundamento. É inegável que o mundo de hoje é bem diferente daquele em que pais, professores e gestores atuais tiveram sua educação formal. E não foi apenas o advento da Internet a provocar isto. A nova realidade global, a nova economia, os avanços tecnológicos e, mais recentemente, uma pandemia nos colocaram em uma situação bem diversa daquela de 30 ou 40 anos atrás.
E não é só no Brasil que vemos sinais dessa inadequação da escola ao mundo atual. Países com sistemas educacionais que entregam resultados muito melhores que os nossos também estão investindo em mudanças na Educação, percebendo que para manter a qualidade do ensino não podem continuar a fazer o mesmo que fizeram até recentemente.
Mas há um terceiro grupo que pode até discordar do primeiro e concordar parcialmente com o segundo. Para este grupo, a saída não está no passado, mas também não se restringe a promover uma adequação dos métodos de ensino a uma nova realidade atual.
Este grupo olha principalmente para um futuro. Não um futuro para o qual inexoravelmente estaríamos todos caminhando. Mas sim um futuro desejado. Para estes, a Educação precisa mudar não para se ajustar a uma sociedade diferente daquela do passado recente, mas sim para ajudar a construir uma nova sociedade, orientada por outros valores e objetivos.
São os que desejam que a Educação esteja a serviço de um projeto futuro de país e de mundo, cuja eficiência não estará em entregar à sociedade pessoas que profissionalmente se encaixem bem neste presente em que estamos, mas sim agentes de transformação capazes de empreender mudanças que futuramente nos levem a uma sociedade menos desigual, mais harmônica com o planeta, e orientada para o bem-estar compartilhado com todos. Profissionais da mudança, cidadãos de um novo mundo, gente que se realiza buscando seu melhor desenvolvimento pessoal.
E você? Onde se posiciona aqui?